De quem é a obrigação na compra da vacina

Por Marcello Mota Gadelha

Não é verdadeira a afirmação de que o Supremo Tribunal proibiu o Governo Federal de atuar no combate à Covid-19.
Cumpre esclarecer que o legislador constituinte, em 1988, estabeleceu a competência comum aos entes federativos na execução da Política de Saúde. A Competência Comum, Concorrente ou Paralela é aquela atribuída de forma igualitária a todos os entes da República Federativa do Brasil (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Tanto isso é verdade que a Constituição Federal afirma no art. 23, inciso II, o seguinte: “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (art. 23, II, CF).

​Desta forma, todos os entes federativos, sem distinções, têm o dever de cuidar da saúde da população, não sendo um dever apenas da União. Estados, Municípios e o Distrito Federal, em cooperação mútua com o Governo Federal, devem atuar na promoção da Política de Saúde, e especificamente, na política sanitária de combate ao Covid-19.
Por outro lado, essa matéria não é nova, de modo que o Supremo Tribunal Federal apenas reafirmou sua jurisprudência em julgamento anterior, garantindo a concorrência e a solidariedade dos entes federados na execução da Política de Saúde. No Recurso Extraordinário de relatoria do Min. Luiz Fux, o mesmo entendeu o seguinte: “(…) 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação delas” (RE 607.381 AgR, rel. Min. Luiz Fux).

​No mesmo sentido, o art. 198, § 1º, da Constituição Federal afirma que o “Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”. À luz das informações contidas, pergunta-se: se o financiamento para a saúde é solidário entre os entes federados, por qual motivo não seria a responsabilidade compartilhada na execução da política do Sistema Único de Saúde?

​Entretanto, no caso das vacinas a responsabilidade é da União. Essa obrigação do Governo Federal foi criada ainda antes do SUS, em 1975, no desenvolvimento do Programa Nacional de Imunizações, em que prevê que a compra e a distribuição de vacinas são de responsabilidade da União, leia-se Ministério da Saúde.

​Em decorrência da Medida Provisória 926/2020, editada pelo Presidente da República, em que concedia à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a última palavra na definição de serviços e atividades essenciais, no sentido de determinar o que iria abrir ou fechar, o STF se pronunciou mediante provocação de modo a não afastar a competência concorrente de estados e municípios sobre saúde pública, e consequente política de combate ao Covid-19.
Na decisão por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou decisão liminar, concedida pelo ministro Marco Aurélio ao proferir, resumidamente, o seguinte: “As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. (…) que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios” (ADI 6341 MC-REF / DF, rel. Min Marco Aurélio).

Diante do exposto, qualquer omissão do poder público pode incidir em grave desobediência aos preceitos constitucionais o que já seria motivo para interpelação judicial. Um dos maiores pensadores políticos da humanidade o saudoso Norberto Bobbio já advertia “que o problema grave de nosso tempo em relação aos direitos humanos não era o de fundamentá-los, senão o de protegê-los” (BOBBIO, Norberto. Anuário de Derechos Humanos. Vol. 1. Madrid: Universidad Complutense, 1981, p. 9).

Neste passo, diante da escassez de vacina contra a Covid-19, motivada por uma infidelidade governamental do poder central, observa-se uma tentativa de fraudar a opinião pública ao dizer que foi impedido pelo STF na aquisição dos imunizantes/vacina.

Na verdade, trata-se de uma querela para quem, de braços cruzados, viu a não imunização de rebanho a galope ceifar a vida de mais de 270 mil brasileiros. Portanto, neste momento, garantir a Vacina e salvar vidas é a grande proteção que o Brasil necessita.

Marcello Mota Gadelha é advogado e colunista do Blog