Privacidade Desvendada

Por Marcello Gadelha

Recentemente, o STF julgou ação no sentido de assegurar que o direito ao esquecimento não foi recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico, firmando o seguinte entendimento: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

Incialmente, cumpre esclarecer que, quando se trata dos direitos e garantias na nossa Constituição, é verdade que não existem hierarquias entre as normas dos dispositivos constitucionais. Não podemos alegar que um direito é mais forte do que o outro, exceto as cláusulas pétreas, que gozam de uma proteção no que se refere ao impedimento de que os direitos fundamentais sejam abolidos ou tenham o seu núcleo essencial diminuído.

Em situações como estas, em que fatos passados que de alguma forma macularam a imagem e a reputação de alguém e possam ser revividos, numa espécie de “vale a pena ver de novo”, no sentido de garantir o acesso à informação e à liberdade de expressão, são casos típicos de colisão entre direitos fundamentais, ou seja, quando há conflitos desses direitos com outros valores constitucionais.

Um dos direitos constitucionais mais importantes é a proteção à intimidade e à vida privada, prevista no art. 5º, X da Constituição Federal, que dispõe o seguinte: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Ora, se minha privacidade é garantida sob a égide da proteção constitucional, como pode ser violada em favor do interesse público e da sociedade ao acesso à informação e à liberdade de expressão?

Neste diapasão, para dirimir esse conflito utiliza-se do juízo de ponderação, em que a análise deleita sobre o caso concreto em apreciação. Neste passo, em dadas condições dos fatos, um direito haverá de prevalecer sobre o outro.

Deste imbróglio, é preciso separar o joio do trigo. Portanto, quem exerce da sua notória imagem vivendo do crédito público fica muito mais vulnerável e desprotegido quanto à sua privacidade, do que aqueles que vivem num certo anonimato. Se é que, em tempos de mundo virtual e digital, se possa falar em anonimato.

Sendo assim, o STF contrariou, talvez, o maior nome da nossa literatura, Machado de Assis, que em escrito literal proferiu sobre o esquecimento enquanto uma necessidade existencial:

“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.”

Diante do apurado, podemos soletrar uma constatação: quem tem telhado de vidro trate de se preservar. Nos tempos de hoje, a caneta que escreve na lousa deixa evidências para uma vida toda.