Judas e o Messias negro mostra as entranhas do verdadeiro EUA

Hollywood vem experimentando faz certo tempo a produção de filmes que mostram ao grande público as entranhas da nação, todo o histórico de racismo, intolerância e violência que marcaram de sangue a construção daquele grande país que não é tão a terra das oportunidades assim se você for negro e/ou mulher, em particular nos anos 60 do século XX.

O filme Judas e o Messias Negro (2021), do diretor Shaka King, é bastante elucidativo no processo de entendermos como se deu a consolidação do bipartidarismo e do capitalismo predador estadunidense, bem como a forma que o sistema enfrenta ideias diferentes das do status quo. Situado no mesmo marco temporal em que aconteciam os golpes de Estado e implantação de ditaduras na América Latina, assistimos o braço interno policialesco dos EUA, o FBI, cumprindo uma função bastante similar ao que a CIA fazia no Brasil, Argentina, Chile e demais nações latino-americanas.

Numa perspectiva de desbaratar o Partido dos Panteras Negras, organização que nasceu nucleada pelo movimento dos negros dos EUA, mas se expandiu para latinos e outras minorias do país, o FBI entra no jogo do vale-tudo e infiltra um negro que ia ser preso por aplicar pequenos golpes nas fileiras dos Panteras.

William O’Neal foi esse negro, ele realmente existiu e foi diretamente responsável pela morte de muitos e muitos líderes do movimento delatados ou sabotados por ele, entre esses estava Fred Hampton, um expoente em franca ascensão dos Panteras que foi crucial nesse processo de ampliação da base social do partido para além do movimento negro. Os mais atentos notarão que O’Neal não era o único infiltrado, esse tipo de ação era usual no FBI.
Judas e o Messias Negro é espetacular ao mostrar o processo e a preocupação com a formação marxista e maoísta dos Panteras Negras, com aulas, cursos, estudos e outras ações. Além disso, apresenta a assistência social construída por eles, com toda a preocupação de não ser uma mera caridade, um movimento que se prosperasse apresentaria um Estados Unidos muito diferente do atual.

A película também ajuda a mostrar aos mais iludidos que o FBI não brinca em serviço, não há limites para alcançar o extermínio do adversário ideológico, democracia nos Estados Unidos é para os brancos, homens e ricos, para os demais serve a lei para por os oponentes de classe atrás das grades, desmoralizá-los, estigmatizá-los e, caso tudo isso não resolva, matá-los como ocorreu com Fred Hampton.

Acredito que aqui não estamos dando spoilers do filme que concorre justificadamente ao Oscar e vem abocanhando vários prêmios, trata-se de um fato histórico, adaptado a linguagem cinematográfica. Emociona, choca e indigna parte dos que assistem, pode conscientizar e mobilizar os demais. É impossível ser o mesmo após assistir a obra que fica pareada em estatura no que foi Infiltrado na Klan (2018), do diretor Spike Lee, que nos mostra mais nuances da falha democracia estadunidense edificada sobre corpos e sangue de homens e mulheres negras.

Thiago Modenesi é professor universitário, ex-secretário de Cultura e Patrimônio Histórico de Jaboatão dos Guararapes