Padre Vito Miracapillo: “Nunca entrei em questões políticas e partidárias. Eu sempre trabalhei com algo que tinha consequências políticas”

Por Hamilton Rocha

Outubro de 1980. Um fato ocorrido em Pernambuco ganhou grande dimensão no Brasil. A expulsão do padre italiano Vito Miracapillo do país somava-se a muitas histórias de perseguição durante a ditadura militar (1964/1985). O religioso atuava no município de Ribeirão, na Mata Sul do estado, e defendia os direitos dos trabalhadores da área rural diante do poder dos proprietários de usinas.

Ao receber a ordem do então prefeito de Ribeirão, Salomão Correia Brasil (PDS), para rezar uma missa nas comemorações da Independência do Brasil, Miracapillo se recusou a realizar a celebração causando a ira do, na época, deputado estadual Severino Cavalcanti (PDS), que pressionou as autoridades federais para expulsar o padre. Segundo o religioso, o Brasil não havia conquistado sua efetiva independência. “Não há independência para um povo reduzido a condição de pedinte e desamparado em seus direitos”, disse o padre em carta escrita à época.

Em 31 de outubro de 1980, Vito Miracapillo foi expulso do país. Ele voltou à Itália, depois de receber manifestações de apoio de vários segmentos, principalmente de representantes dos trabalhadores e da igreja progressista. O governo do presidente general João Figueiredo tomou a decisão usando como argumento o Estatuto do Estrangeiro, que impedia pessoas de fora do país de “exercerem atividade de natureza política”.

O trabalho desenvolvido por Vito Miracapillo despertou atenção dos políticos, no final dos anos 1970 e início dos anos de 1980, mas ele diz que nunca se envolveu com questões partidárias. “Não entrei em questões políticas e partidárias. Eu sempre trabalhei com algo que tinha consequências políticas. Tudo aquilo que faz referência à vida do povo é política”, disse o padre.

O visto permanente de Vito Miracapillo só veio 31 anos depois da expulsão. Por decisão do presidente Itamar Franco, em 1993 o padre voltou ao Brasil como turista. De lá pra cá, todos os anos vem a Pernambuco rever os amigos e andar pelos lugares que ficaram marcados durante o período em que atuou em Ribeirão. “Ultimamente não tinha vindo por causa da pandemia. A última vez em 2019”, revela o padre, hospedado na casa de amigos no Recife.

Com olhar sereno, aos 75 anos, ao lado do amigo Francisco, que trouxe da Itália para conhecer Pernambuco, Vito Miracapillo gosta de relembrar o período em que morou por aqui. Revela não guardar mágoas de pessoas envolvidas diretamente em sua expulsão. “Eu já na época disse que perdoava porque o problema não era pessoal, eu nem conhecia o deputado Severino Cavalcanti, o problema era do sistema. Nunca guardei rancor no coração”, diz o religioso.

A expulsão, mesmo dramática, foi positiva, segundo Miracapillo. A luta junto aos camponeses da Usina Caxangá (Ribeirão) para conseguir o direito à posse da terra acabou tendo êxito. “Quando eu fui expulso o governo teve que dar mesmo a posse da terra. Foi um efeito positivo. Eu fui expulso mas o povo conseguiu aquilo pelo qual a gente lutou”, lembrou ele.

Miracapillo não se esquivou em opinar sobre a diferença de tratamento dado a ele e ao terrorista Cesare Battisti, que passou 14 anos no Brasil como refugiado político. Atualmente, Battisti cumpre pena na Itália por 4 homicídios no final dos anos 1970. “Eram duas coisas diferentes e posições diferentes. Achei esquisito que, enquanto se dava cidadania a Cesare Battisti, não se dava a mim, que não tinha cometido nenhum crime”, explicou o religioso.

Além da andar em municípios da Região Metropolitana do Recife, Miracapillo foi a Ribeirão, Palmares e Sirinhaem visitar lugares onde trabalhou. Reencontrou muitas pessoas e relembrou momentos de intensa luta em defesa dos mais carentes. “Aqui o povo sempre me acolheu. Lembro quando voltei a Ribeirão em 1993. Foi uma festa, até as crianças me reconheceram através dos fatos que os pais e avós contavam”, disse o padre.

Ao falar da participação da igreja nas lutas sociais, Miracapillo lembra de amigos inesquecíveis que fez em Pernambuco, entre eles, o padre Reginaldo Veloso e o arcebispo Dom Helder Câmara. “A igreja continua participando das lutas sociais, mas de forma de diferente de anos atrás. O papel da igreja é sempre importante, seja em conhecer aquela que é a vontade de Deus para a vida de toda criatura, como também fazer com que as leis atuem para dar dignidade e qualidade de vida, principalmente aos pobres e marginalizados”, finalizou o religioso.