Por Marcello Gadelha
Recentemente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus (HC 164493) para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex em Guarujá (SP). A maioria do colegiado acompanhou o voto divergente do ministro Gilmar Mendes para determinar a anulação de todas as decisões de Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá, incluindo os atos praticados na fase anterior ao início do processo, por entender que ele agiu com parcialidade na condução do processo na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.
Cumpre asseverar que o direito a um julgamento isento, sem vícios, sem erros e imparcial, é basilar naquilo que o direito entende ser o dever da boa-fé processual no devido processo legal. A grosso modo, podemos afirmar que o juiz se torna suspeito quando se interessa por qualquer das partes.
Nestes termos, o Código de Processo Penal no art. 254, inciso IV, assevera que se o juiz tiver aconselhado qualquer das partes no processo em curso a posição de neutralidade e de equidistância entre os sujeitos processuais estará rompida. E neste sentido, possivelmente, antecipará já um verdadeiro pré-julgamento.
É compreensível que muitos que não orbitam no mundo jurídico tenham visto a decisão do STF de forma repugnante, a não perceber que havia vício no nascedouro processual. Assim, visando dirimir essa incompreensão, trago ao leitor um dos conceitos mais primitivos do direito, que é a descrição do Direito Natural no sentido daquilo que é justo.
Nas palavras de Jacques Leclercq, o Direito Natural seria o resultado dos princípios mais gerais sobre a ordem do mundo, usados para que se oponham aos governantes injustos.
As primeiras manifestações de jusnaturalismo são encontradas na Antiga Grécia. O Direito Natural da Antiguidade está presente em Platão e em Aristóteles. Este, por sinal, enquanto discípulo de Platão, foi também um teórico da justiça. A imparcialidade jurídica foi o modelo que adotou, juntamente com a objetividade da natureza.
Ao analisar o direito natural aristotélico, o filósofo Costas Douzinas sintetiza: “O direito natural reivindica a verdade da natureza contra o senso-comum e a dignidade do argumento e da dialética contra a banalidade e a opinião convencional.”
De maneira elucidativa, o natural na vida é sermos julgados com isenção e sem evidências de que houve algum tipo de benefício ou favorecimento a terceiro que venha a nos prejudicar.
Com efeito, a assertiva de que fazer justiça antes de mais nada requer fazer aquilo que os preceitos legais determinam, nem sempre se cristaliza diante da interpretação a que cada julgador exerce a julgar. Neste passo, ao se utilizar de uma lupa para se aplicar o direito, o grau da lente não deve e não pode distorcer o sentimento de justiça, pois nestes casos o justo torna-se ilegal.
Posto isto, há uma máxima que diz: a razão impõe que é melhor sofrer uma injustiça que cometê-la. Assim, diante do paciente que sofreu uma injustiça e daquele que a impôs, o justo, portanto, se restabeleceu.