Projeto de lei une direita, esquerda e centro.

Por Nely Brandão

Na câmara dos deputados a votação da chamada flexibilização da lei de improbidade administrativa contou com 408 votos a favor e 67 contra, apenas os partidos Novo, Podemos e PSOL se manifestaram contra o projeto de Lei que seguiu para o senado. A lei de improbidade administrativa é do ano de 1992 que prevê sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. Em um levantamento realizado pelo jurista Leo Dias verificou-se que apenas na região de Sorocaba, no interior de São Paulo, cerca de 80% dos prefeitos foram processados por improbidade e 64% tiveram condenação em primeira instância. Com a justificativa de proteger bons gestores, a proposta trás inúmeras mudanças, com consequências para hoje e para o futuro.


A principal alteração é a retirada da modalidade culposa, isto é, sem intenção de causar dano ao erário. O Projeto só permitirá a modalidade dolosa, ou seja, mediante comprovação da intenção do ato ilegal, o ministério público terá que comprovar que o agente público agiu com intenção de causar o dano, tendo o prazo máximo de 180 dias para concluir o inquérito civil, prorrogáveis por igual período.


Outra alteração é a redução da prescrição que provavelmente passará para oito anos a contar do ato, atualmente, o prazo é de cinco anos, mas é contado a partir do final da gestão do agente público. Também aumenta o tempo de suspensão dos direitos políticos do agente público em caso de enriquecimento ilícito passando de até 10 para até 14 anos. Quanto a perda do mandato também há mudanças, o gestor público só perderá o cargo se, no momento da condenação, ainda estiver no mesmo cargo que ocupava quando cometeu a irregularidade. Se, por exemplo, um vereador é condenado por um ato cometido enquanto era prefeito, ele não perderá o mandato de vereador. A exceção será para os casos que envolvam enriquecimento ilícito.

Para a grande maioria da classe política essa alteração na Lei não significa impunidade, pois a proposta agrava a pena no caso de efetivo dolo. Além disso, nos casos em que há culpa (conduta sem a intenção), seguirão sendo aplicáveis as punições nas esferas de responsabilidade civil, administrativa e até mesmo penal, destaco aqui a Lei 13.655/18 que prevê responsabilização do agente público nos casos de erro grosseiro. A essência da Lei permanece, sendo esta punir quem se utilizada da posição ocupada para ferir os princípios fundamentais da administração pública e enriquecer ilicitamente. Mesmo não sendo uma lei penal, em virtude do princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica, as mudanças poderão ser aplicadas para os fatos já ocorridos, o que pode levar o arquivamento de centenas de ações de improbidade administrativa atualmente em curso. O Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) aponta que 57,9% dos recursos em ações de improbidade administrativa que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra prefeitos e vice-prefeitos (ou os que exerceram tais cargos) estão relacionados a supostas ofensas a princípios da administração pública, sem que exista qualquer vínculo com corrupção ou comprovado dolo na prática do ato de improbidade, neste caso todos esses processos serão arquivados.


A expectativa é que no senado seja analisado o projeto logo após o recesso parlamentar, em agosto de 2021, e que as alterações sejam mantidas. O projeto de lei é um caso raro na política brasileira que une direita, esquerda e centro. Vamos aguardar a análise do senado, já que não há intenção de veto por parte do presidente da república, que se manifestou a favor as alterações da lei de improbidade aprovadas pela câmara de deputados.

Nely Brandão é advogada e Consultora em Gestão Pública