Por Thiago Modenesi
A História do Brasil precisa ser mais estudada pelo nosso povo, não pode ser esquecida, é rica, nos traz ensinamentos e lições, além de mostrar como os brasileiros construíram sua democracia com muita luta, em um país marcado por profundas desigualdades. Aqui escolhemos apenas um dos vários nuances dessa complexa equação: o voto. Desde a Proclamação da República, em terras brasileiras o sufrágio segue sendo uma importante bandeira de luta. A garantia do voto livre, secreto, para todos, independente da renda, da classe social e do gênero não foi dada de bandeja e nem de presente.
O início da República foi marcado por profunda resistência ao direito do voto pelas mulheres, esse só sendo garantido em 1932 no Código Eleitoral. Os processos eleitorais logo após a Proclamação foram restritos, seguidos da consagração do voto de cabresto comandado pelos coronéis durante os anos 30 e 40. Curiosamente, o mesmo código eleitoral de 1932 do governo Vargas já fazia referência da necessidade de serem desenvolvidas “máquinas de votar” para garantir o sigilo do voto e a agilidade do pleito. Até 1964 foram sobressaltos eleitorais e reformas constantes nas Leis que tratavam do voto.
Porém, sem dúvida alguma, o mais grave foi o que a Ditadura Militar fez ao sufrágio e a democracia brasileira. Restringiu, manipulou, proibiu e fraudou os pleitos para se manter no poder durante 21 anos, quando percebeu que perderia em alguns estados e grandes cidades instituiu a figura do governador, senador e prefeito biônicos, conduzidos ao cargo sem terem sido votados, por indicação do presidente ditador que estava no poder.
A Constituição de 1988 celebra toda uma pactuação para buscar construir eleições amplas, gerais e irrestritas, democráticas e com participação popular massiva. Foi assim em 1989, quando 22 candidatos ao cargo de presidente disputaram, tivemos pela primeira vez o segundo turno e a eleição de Fernando Collor de Melo, numa acirrada disputa com Lula.
Quem tem mais de 40 anos viveu a realidade do que foi a votação em cédula de papel em nosso país até meados da década de 90, de como eram as apurações que duravam semanas, das denúncias de fraude e manipulação de resultados. Quem já foi para uma apuração daquelas lembra das mesas escrutinando votos, separando em bolos, tentando fazer os chamados voto-camarão e voto-formiguinha (pilhas de cédulas em que eram inseridos alguns votos que não eram daquele candidato, alterando o resultado), interpretando ao bel prazer a letra dos eleitores (o voto era prioritariamente na pessoa e não no número), confusões com homônimos e nomes parecidos, principalmente nas eleições de vereadores. Candidatos e candidatas que dormiram eleitos e acordaram sem mandatos. Fragilidade eleitoral que privilegiou em vários momentos quem tinha mais poder econômico para manter fiscais remunerados noites a fio acompanhando voto a voto a apuração. De lá para cá o sistema eleitoral da Nova República se aprimorou e refinou.
É MENTIRA que o voto manual garante a democracia, ao contrário: é um retrocesso democrático, institucional e republicano. É MENTIRA que a fraude é presente no sistema eletrônico, ao contrário: o Tribunal Superior Eleitoral já auditou e testou o sistema, convidou hackers, entidades da sociedade civil, governos de outros países, Polícia Federal e outros para testarem e averiguarem o software de cada uma das eleições aqui realizadas desde 1996, ele NUNCA foi corrompido até o momento.
A votação eletrônica executada no Brasil inclusive já conta com comprovação em papel, está garantida nos Boletins de Urnas (BUs), afixados nas seções de votação ao final do dia do pleito e disponibilizadas pelos mesários aos fiscais dos partidos e coligações ali presentes também.
As eleições com urnas eletrônicas existem hoje em quase 30 países do mundo, e em alguns estados dos EUA. Todos esses pleitos foram até o momento acompanhados pela International Idea, instituto que prima pela democracia nos processos eleitorais no planeta, em NENHUM foram encontrados indícios de fraude.
A campanha pelo voto manual desenvolvida pelo atual presidente da República é mais uma peça no quebra-cabeça autoritário e de retrocessos que vem tentando montar, busca pôr em dúvida o pleito de 2022, no pior estilo Trump.
Talvez se esqueça o presidente de que foi eleito nesse sistema eleitoral, embora ameaçasse constantemente já em 2018 não reconhecer o resultado, caso perdesse. Nosso sistema eleitoral é tão eficaz, democrático e seguro que permitiu até um candidato como Bolsonaro se eleger, registrou e respeitou a vontade popular naquele momento.
O discurso de conveniência de Bolsonaro não pode passar, é uma MENTIRA montada para ameaçar o voto livre, independente, universal e plural. Consiste em mais uma tentativa de intimidação aos democratas de nosso país. É preciso que todos se levantem contra isso e garantam que, qualquer que seja o resultado do pleito de 2022, ele será respeitado pelos brasileiros e brasileiras. Fraude é querer retroceder nosso sistema eleitoral e montar um processo que permita voto de cabresto, intimidação e toda sorte de violência antidemocrática.
Thiago Modenesi é Historiador, Pedagogo, Doutor em Educação, Professor permanente do Mestrado em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste da UFPE, presidente do PCdoB em Jaboatão dos Guararapes/PE