Por: Isaac Luna
Um dos temas mais comentados no Brasil nos últimos dias é o da minirreforma eleitoral aprovada pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (13), por ampla maioria de votos, da direita à esquerda, passando pelo “centrão”. Em um ambiente de muitos conflitos e dissensos, a mudança das regras do jogo eleitoral parece ser um dos poucos consensos dos parlamentares que são, também, os jogadores que se submeterão as regras que estão propondo mudar. Não há nenhuma impropriedade nisso, aliás, na democracia, essa é a regra geral: o Legislativo é responsável por elaborar a lei, toda a lei, inclusive a eleitoral.
A propósito, a mudança da regra do jogo eleitoral não é uma novidade, basta observar que praticamente em todas as eleições pós-redemocratização tivemos alguma novidade, alguma alteração, mais ou menos pontual, em relação ao pleito anterior, observado, é claro, o critério da anuidade, através do qual está estabelecido que uma nova lei eleitoral somente será válida para uma eleição se tiver entrado em vigor polo menos um ano antes da data do 1º turno do escrutínio.
Pois bem, a correria na Câmara, que votou os projetos de lei a toque de caixa, foi justamente para garantir a observância dessa regra e viabilizar as mudanças para pleito municipal do ano que vem. Para isso, as alterações na legislação devem estar formalmente concluídas e validadas até o dia 05 de outubro de 2023.
Dentre as propostas, as mais polêmicas, ou com maior potencial de impacto para as disputas municipais de 2024, estão: a) a mudança nas regras das cotas de gênero; b) alteração no período de inelegibilidade dos políticos condenados; c) redefinição dos critérios para a eleição de vereadores pelas sobras eleitorais, d) fim das candidaturas coletivas e; e) novas modalidades de financiamento das campanhas. Existem outros pontos tratados pela minirreforma, mas nesse primeiro momento é importante focar nessas 5 questões, pela influência direta que podem exercer nas disputas nas cidades brasileiras. Em uma rápida análise de cada ponto é possível sugerir que:
1. A mudança na regra das cotas de gênero tende a enfraquecer a representatividade feminina nas eleições, já que pela proposta aprovada os partidos não serão mais obrigados a cumprir, individualmente, o percentual de 30% de candidaturas femininas, bastando que a federação de partidos atinja essa meta. Dessa forma, o partido X pode ter 0% de candidaturas femininas, desde que os demais partidos da federação tenham candidatas mulheres que garantam à federação como um todo o percentual de 30%. Outra questão diz respeito a possibilidade de utilização dos recursos financeiros destinados as candidaturas femininas serem usados conjuntamente com candidatos homens, desde que favoreçam as mulheres, o que é um critério muito aberto, sem regras claras, que favorece o uso dos recursos destinados as mulheres para financiar candidaturas masculinas.
2. O Brasil tem 5.570 municípios e, em boa parte deles, existe sempre algum político tradicional, ou considerado “forte” pelos eleitores que não poderá ser candidato em 2024 porque foi condenado e ficou inelegível. Pela regra atual, o político condenado fica inelegível pelo resto do seu mandato e, depois, por mais 8 anos. No caso da inelegibilidade em razão da condenação por crimes comuns, como lavagem de dinheiro, a inelegibilidade de 8 anos começa a contar a partir do fim do cumprimento da pena. Na prática, essa regra pode gerar inelegibilidade de mais de 10, 12 ou 15 anos, provocando verdadeiros banimentos de alguns políticos da vida pública. Pela nova regra, em ambos os casos, a inelegibilidade de 8 anos começa a contar da data da imposição da sanção, o que pode trazer para o jogo eleitoral, ainda que mediante disputas de entendimentos jurídicos e concessões de liminares, uma série de competidores que não estavam na lista dos candidatos nas cidades para o ano que vem, redefinindo ou simplesmente desarrumando o tabuleiro político nas cidades.
3. Um das questões mais impactantes, sobretudo para a eleição de vereadores(as), diz respeito a mudança das regras de aplicação das sobras eleitorais, ou seja, da definição de ocupação das cadeiras que sobraram depois da primeira rodada que observou os partidos que atingiram o quociente e eleitoral e elegeram vereadores diretamente. Como essa conta nem sempre fecha perfeitamente, garantido a ocupação de todas as vagas na primeira rodada, as sobras eleitorais são redistribuídas para completar as cadeiras do parlamento municipal observando o percentual mínimo de 80% do quociente eleitoral pelos demais partidos e de 20% pelos candidatos não eleitos na primeira rodada. Pela nova regra aprovada na minirreforma, apenas os partidos que atingiram os 100% do quociente eleitoral participaram da segunda rodada para a distribuição das sobras, o que eliminará do jogo uma quantidade substancial de pequenas legendas, sobretudo nos municípios menores. A nova regras também diminui o percentual mínimo para o candidato para 10% do quociente, o que pode provocar mandatos com baixa representatividade social.
4. Estratégia já bem conhecida nos grandes centros, as candidaturas coletivas, através das quais um grupo de agentes políticos podem unir-se em uma única candidatura, ainda que apenas um deles, previamente indicado no registro de candidatura, tome posse formalmente do mandato, foi vetada pela minirreforma, mesmo que o TSE já tenha jurisprudência firmada sobre o tema, entendendo pela sua possibilidade. Diante desse contexto, o formato, que teve êxito em alguns casos nos pleitos anteriores, poderá não mais ser usado pelos partidos na campanha municipal de 2024.
5. Por fim, as novas regras de financiamento das campanhas, com a regulamentação de doação por Pix, ampliação das possibilidades da utilização dos recursos públicos para gastos com aluguéis de caros, aeronaves, imóveis, contratação de equipes de segurança privada, bem como a possibilidade utilização de recursos pessoais, no limite de 10% do teto de gastos estabelecido para o cargo, pelos próprios candidatos, podem também provocar o aguçamento do desequilíbrio financeiro nas campanhas eleitorais nos municípios brasileiros, dos maiores aos menores.
Prego batido e ponta virada nas novas regras para o ano que vem?
Ainda não. A minirreforma foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas ainda precisa ser analisada, votada e aprovada pelo Senado. Caso o Senado faça alguma alteração no texto original aprovado pela Câmara, a matéria volta para os deputados(as) analisar as alterações e votar novamente.
O tempo para realização de todo esse processo é muito curto, principalmente considerando as manifestações do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e do relator do novo Código Eleitoral que já tramita na Casa, senador Marcelo Castro (MDB-PI), que também será relator da minirreforma, no sentido de que não haverá pressa na análise.
O jogo, portanto, ainda está em aberto. Apesar do pouco tempo e das manifestações iniciais do Senado, em política tudo pode acontecer, a depender dos interesses e das correlações de forças postas no tabuleiro. Por cautela, é importante que partidos e pré-candidatos dos milhares de município brasileiros fiquem atentos, pois a mudança das regras do jogo implica também, e inevitavelmente, na necessidade da mudança da estratégia eleitoral.
O momento é de atenção.
*Isaac Luna é advogado, cientista político, consultor e professor universitário.