São 15 anos de um sonho que se cocriou junto com a mente de Deus, numa terra rica de gente que se entrelaçou e se contaminou com o projeto inicial de germinar. Sim, um vírus nos pegou de assombro e agora nos acomete de diferentes formas, nós que seguimos resistindo na militância permanente junto à Academia Cabense de Letras (ACL).
A uns esse vírus provoca alterações na visão, e o indivíduo age por aí como cego em tiroteio, batalhando espaço no lugar em que nasceu e se criou, ou que aqui veio fazer sua história de vida. A outros, causa náusea e indigestão, por terem que digerir o quanto falta para se estabelecer a verdadeira valorização da identidade cultural local. Há até quem sofra de histeria, por assistir cativo a pessoas chegarem à cidade, o Cabo de Santo Agostinho, com olhar indiferente, para arrancar ou sufocar o que insiste em florescer. Uma safra de escritores assíduos no tema VIVER.
Terra de Santo Agostinho, de Santa Maria de La Consolacion, terra de São Francisco de Assis, que inspirou o abrigo fundado pela Madre Iva e que rendeu o livro Monte Alverne. De Santo Antônio, padroeiro, com direito a hino escrito pelo poeta Carlos Gilberto. De São José Operário, que homenageia os suores que daqui desprendem na labuta dos peões, pois da aposta visionária de Cid Sampaio temos hoje, as agruras do território portuário de Suape. Santos e também anticristos, que se misturam na dança dos infortúnios e que aqui, como em todo o Brasil, se enfileiram, infelizmente, formando a lama estagnada e fétida do fascismo. Como adjetiva o jornalista Jefte Amorim, essa é a nossa “gloriosa” cidade.
Mas tenho que lembrar que o vírus de ser cultural no Cabo de Santo Agostinho causa também depressão, no nosso caso, enquanto integrantes dessa confraria, por não termos conseguido ver nosso futuro acontecer como imaginávamos. A ACL não ter ainda, já debutante, uma sede para seus membros idealizarem seus projetos faz parte desse futuro que não aconteceu!
“Parece cocaína, mas é só tristeza”, diz o trecho da música cantada por Renato Russo. Pois é por aí. E muitas vezes, a cura não se resolve apenas superficialmente. Por ser persistente e associada a uma febre desesperada, o vírus de ser Cultural no Cabo de Santo Agostinho adoece o indivíduo por inteiro, a ponto de ingressá-lo em quarentena. Aliás, afastamentos são recomendados nos divãs da psicanálise.
A ACL somos todos nós. Entusiastas, capazes “de sonhos sem cabimento”, como diria Ivan Lins. Alguns distantes outros presentes, sendo nós de esquerda, de direita, de centro, elite branca ou preto resistência. Evangélico, católico, espírita, agnóstico, candombleísta…de sangue índio, caboclo, latino…não importa. A ACL somos todos nós, pessoas simplórias ou famosas, casados, solteiros, aposentados ou na ativa, vivos ou já no andar de cima.
Costumo dizer que temos três ACL’s. Aquela do sopro inicial, de quem fez as lutas que deram as bases do trabalho atual de busca constante de uma referência para essa localidade geopolítica cultural em Pernambuco.
Uma segunda safra, combinando uma geração intermediária, que viria fazer jus a necessidade de novos nomes entre escritores cabenses naturais ou com história fincada na cultura literária local. E uma terceira leva de escritores ou pensadores, que atualizava o time de sonhadores e amantes das letras. Essa, mesclando escritores que representam comunidades diversas e, aliás, seguindo a tendência nacional das academias, que abraçam todas as formas de saberes e formatos de expressão.
A ACL somos todos nós. Preconceituosos, instáveis emocionalmente, glamourosos, marginais, sonhadores, românticos… Poetas, médicos, intelectuais, professores, jornalistas, religiosos, burocratas, comunicadores, políticos, psicólogos, teatrólogos, jornalistas, professores, músicos, assistentes sociais, cineastas. De gêneros literários os mais variados, que vão de contos à documentários. De teores e matizes que pulam do social ao erótico ou científico, de jeitos e personalidades pinçadas entre caridosos, caricatos, teatrais…Que levantam bandeiras de causas feministas, machistas, libertárias, adotando formas autoritárias, benevolentes ou neutras de ser e de agir.
Mas a ACL somos todos nós, feita de quem precisa de muros que separam os momentos gerenciais administrativos e de quem prefere a transversalidade. Nessa associação democrática de indivíduos, tem até quem já tenha se aborrecido tanto com as divergências internas, a ponto de querer devolver o título de acadêmico. Como se isso fosse possível! Sim, assistimos fazer assim, nosso confrade Antonino Junior, um dos maiores entre os sonhadores iniciais da ACL, que já partiu para outra dimensão, mas que muito nos inspira na sua indignação.
Só lamento dizer, e peço licença pra trazer esse tema a céu aberto, que existe uma dessas doenças que nos acomete, não só a nós, enquanto ACL, mas à humanidade como um todo, que dela não nos livramos em vida: a intolerância. As guerras estão aí por causa dela, mas nós não conseguimos evoluir para a paz. É preciso definitivamente se curvar para a necessidade de entender que ninguém é melhor do que ninguém. E que todos precisam de cada um e que cada um precisa de todos. Sendo cabense nato ou por recebimento de “título de cidadão”, somos acima de tudo, seres planetários, precisando da natureza para sobreviver.
Então, precisamos reconhecer todas as etapas desse crescimento e nunca usar de descaso com as raízes. Assim como a ACL, e para além dela, precisamos de vida plena. Essa é a cura! A ACL somos todos nós. Afetos ou desafetos, negligentes ou afins, como todas as relações humanas. E precisamos ir para uma nova etapa, em que mais do que tolerar, precisaremos nos solidarizar e nos “humildar”, para usar o verbo que aprendi com o mestre cristão yogui brasileiro, Professor Hermógenes. Enfim, a ACL Somos Todos Nós. E nós Somos Todos Um!
Tereza Soares é Poetisa, Jornalista, Psicopedagoga e ocupa a cadeira n°10 na Academia Cabense de Letras.