O STF na berlinda
Por Marcello Gadelha Inicialmente, cumpre esclarecer que um dos encantos das sociedades livres, pluralistas e democráticas é a possibilidade de apreciar a vida sob diferentes pontos e ângulos de observação. Ultimamente, o STF vem sofrendo diversas críticas pontuais que necessariamente de onde surgem em grande maioria são despidas do real entendimento do papel que uma Corte Suprema deve cumprir diante do ordenamento constitucional que se preza a defender. O STF, vem assumindo um protagonismo diante de um aspecto importante que é o exacerbado processo de judicialização em que a Corte se depara. Assim, essa judicialização excessiva na prática significa que algumas questões de grande repercussão política e social estão sendo transferidas para o Judiciário devido a certa inércia das instâncias políticas tradicionais, quais sejam: o legislativo e poder executivo. Nos últimos anos, nunca esteve tão evidente o nome dos Onze Ministros do Supremo Tribunal Federal nas recentes coberturas midiáticas da imprensa brasileira sobre as questões das mais diversas e relevantes para o país pelo o qual o Tribunal teve que se debruçar nos seus respectivos julgamentos. Na verdade, há uma constatação que está mais do que evidente no seio da população de uma forma geral: é mais fácil escalar o nome dos Onze Ministros do STF do que os Onze jogadores titulares da seleção brasileira de futebol. E aqui há de fazer uma outra constatação: a escalação dos Onze nunca agrada a torcida como o todo. Ora, com sintomas de manifestações públicas, discursos de ódio, rebeldias, insultos, insubordinação, revisionismo dos valores ético-comportamentais e tentativas de ataques pessoais aos Ministros da Corte, a violência vem demonstrando que a Instituição está sob ataque. Daí, suscita-se a pergunta: qual é o papel do Supremo Tribunal Federal? Neste passo, a missão preponderante de um Tribunal da Suprema Corte é, necessariamente, manter o equilíbrio e a sustentação dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito – governo da maioria, limitação do poder e respeito aos direitos fundamentais. Assim, o Estado Democrático de Direito nada mais é do que um Estado Constitucional submetido à Constituição Federal e aos valores garantidores da dignidade da pessoa humana nela assegurados. No esforço de manter esse equilíbrio, o Supremo desempenha mais de um papel e o que talvez seja o seu calcanhar de Aquiles é a forma como é visto pela percepção mediana da população brasileira que é o seu papel conhecido na teoria constitucional como o modelo contramajoritário. Para entender essa função contramajoritária é preciso distinguir o conceito de democracia e constitucionalismo. O constitucionalismo tem sua origem no liberalismo e significa limitação do poder, ou seja, respeito aos direitos fundamentais. Já a democracia significa o governo da maioria, isto é, soberania popular. Portanto, o arranjo constitucional vigente se dá pela junção desses dois conceitos que inevitavelmente gera conflitos. A propósito, o modelo do ordenamento jurídico no mundo democrático é o modelo que o Brasil também adota que é o Constitucionalismo Democrático. Entretanto, democracia e constitucionalismo têm suas origens históricas diferentes. O constitucionalismo significa limite ao poder e respeito aos direitos fundamentais enquanto Democracia é o governo na maioria, ou seja, soberania popular. Neste passo, ao se colidirem pelo o arranjo do constitucionalismo democrático a justaposição de ambos gera disputas e tensões, ou seja, a maioria (democracia) quer muitas vezes limitar os poderes ou enfraquecer os direitos fundamentais e o constitucionalismo tende a defender ambos gerando enfrentamentos inevitáveis em que o juiz deste tensionamento é o Supremo Tribunal Federal. Na prática, a atuação contramajoritária do STF, se manifesta, quando o Supremo julga e declara inconstitucional uma lei ou um ato do Poder Executivo interagindo com os dispositivos constitucionais consagrados na Constituição/88. A par disso, se afirma que o STF exerce o papel contramajoritário porque de um lado se encontra o Presidente da República eleito com mais 57 milhões de votos, e do outro, os membros do Congresso Nacional que são eleitos com uma votação expressiva. Por iguais razões, a característica presente da nossa República Federativa dá ao STF, por ser o guardião da constituição a última palavra sobre qualquer violação aos preceitos constitucionais podendo invalidar qualquer ato do poder executivo ou do legislativo sem ter um voto se quer da população. Importante enfatizar, que o nosso modelo de controle constitucional transformou todo juiz e qualquer tribunal intérprete e julgador da constituição de modo que qualquer questão por mais que seja irrelevante pode chegar ao STF. Por outro lado, quando julgam, os Ministros do STF não estão atrelados a escolhas livres, e neste contexto, o direito não é política. Portanto, os julgamentos não devêm ser partidarizados ou ideológicos. O dever de mostrar a motivação das decisões, mediante o emprego de argumentação jurídica convincente, é um traço que marca a função jurisdicional e delimita a atuação de qualquer magistrado, principalmente, dos membros do STF. Em face das razões, a função contramajoritária é utilizada porque Onze agentes públicos que não receberam nenhum voto ao interpretarem a constituição podem impor suas convicções e valorações aos agentes públicos democraticamente eleitos. Em última análise, a legitimidade do STF se justifica para coibir e proteger qualquer violação dos direitos fundamentais, e por conseguinte, se sustenta para impedir que as maiorias mudem as regras do jogo democrático e queiram se perpetuarem no poder. Em síntese, não se pode perder de vista que a constituição federal de 1988 – a constituição cidadã, é a essência dos anseios e desejos da população de maneira que quando o STF atua na sua outorga constitucional está legitimamente a defender a Constituição Federal que emanou do poder do povo. Marcello Mota Gadelha Advogado, professor universitário e colunista do blog. Escreve as quintas-feiras sobre Direito Constitucional